“Nós queremos ser multados pela Polícia Rodoviária Federal. Ou seja: queremos passar de 100”. Esse é o desejo do presidente estadual do PT, Jonas Paulo, de que seu partido eleja mais de 100 prefeitos na Bahia. Em entrevista ao BAHIA TODO DIA, ele fala da política de alianças da agremiação para 2012, do PT que saiu do último Congresso e da relação com o movimento social. Jonas aproveitou para alfinetar o adversário, o PMDB. “Buscou seu caminho. Até agora tem sido infeliz e espero que continue sendo.” (Jonas Paulo)
BAHIA TODO DIA: O PT acabou de sair de seu congresso nacional. Qual partido que saiu desse evento?
Jonas Paulo: O PT saiu revigorado do ponto de vista orgânico. O PT se voltou para dar uma atenção especial à juventude, e isso é importante para a renovação dos quadros. O PT buscou corrigir uma distorção histórica na sociedade brasileira, que é a discriminação de gênero, garantindo a paridade de participação das mulheres nos espaços de direção. Éramos o único partido que tinha a obrigatoriedade de ter pelo menos 30% de mulheres em toda a sua direção. Agora passou para 50%. O PT reconhece a origem étnico-racial do povo brasileiro e afirma a importância da presença de negros. O PT traçou um perfil de partido de funcionamento de massas efetivo. Um partido que tem a militância como referência. Militantes do PT não só participam dos espaços de militância como também contribuem com o partido, ou seja, afirma a questão da independência político-financeira do PT, apesar de que a gente sabe que, nesse espaço de disputa e poder do sistema político brasileiro, essa arrecadação é pequena, mas é simbolicamente forte porque expressa a vontade e o compromisso da militância com o partido. E o PT, mesmo tomando todas essas medidas de natureza orgânica, de reforçar, de fortalecer seu perfil de partido militante, de esquerda, trabalhou a política de alianças no plano nacional com a flexibilidade que precisava fazer para poder continuar mantendo a liderança nessa coalizão federal, fazendo amplas alianças e tendo como eixo a vitória do projeto nacional do PT nas eleições de 2012.
Jonas, houve um tema que ganhou destaque no noticiário em relação ao congresso que foi a regulamentação da mídia. O que saiu do congresso sobre isso? Qual é a posição do PT sobre o assunto?
As pessoas tentam criar fantasma onde não tem. Nós estamos discutindo a questão do dono da voz. Estamos discutindo o papel da voz do dono. Ou seja, a voz e a força do dono, e não discutindo a liberdade de expressão e de opinião, que quem tem são os donos da voz: os jornalistas, a opinião pública, os comentaristas, os articulistas, os âncoras... esses são os donos da voz. Nós estamos discutindo a questão da voz do dono, o papel do poder econômico, o papel da atividade econômica na disputa de interesses e objetivos na relação com a política e com o estado brasileiro. Não pode haver confusão entre liberdade de opinião com a questão da capacidade de investimento que o dono deste ou daquele empreendimento de comunicação tenha. Aí é outra coisa. Não estamos discutindo o que é que os jornalistas pensam, a liberdade de os jornalistas opinarem. Nós estamos discutindo a questão dos donos da linha editorial que não fazem a interface com a sociedade, portanto não são permeáveis porque estão aí para proteger seus interesses econômicos e impor à sociedade a visão de um segmento que é investidor, que é empreendedor econômico... é isso que estamos debatendo. A mídia brasileira, esse é o debate, precisa ser democrática. Por isso defendemos meios comunitários, o que chamamos de “reforma agrária no ar”, porque existem os latifúndios da comunicação incompatíveis com a democracia. Nenhum tipo de concentração de propriedade é democrático, inclusive nos meios de comunicação. É um debate que já se fazia na época da ditadura. Pelo que conheço, não se fez nenhuma reforma no setor, desde o momento em que o Chico Buarque, há muito tempo atrás, fazia a parametrização entre a voz do dono e o dono da voz, até os nossos dias.
A Fenaj disse que, do ponto de vista prático, pouco se andou depois da conferência de comunicação. Em sua opinião, daqui pra frente vai andar?
Nós estamos discutindo justamente essa questão. Esse é o debate que as pessoas querem tergiversar. Estamos discutindo sobre o poderio econômico na área de comunicação que impede a democratização e a manifestação livre das ideias, as linhas editoriais plurais e democráticas, os espaços e os direitos de resposta garantidos e, acima de tudo, o respeito à individualidade do cidadão e a liberdade de omitir opinião. Não pode ter agressão à individualidade, inclusive invasão à privacidade. Ou a criação da imprensa não a partir da verdade, mas do factoide. Volto a dizer: estamos debatendo como debatemos na propriedade econômica a democratização. É a mesma defesa da divisão de renda. Hoje o maior benefício da humanidade, mais até do que qualquer bem, é o direito ao conhecimento. E o conhecimento tem que ser democratizado. Nós debatemos a democratização plena das ideias. Para que cada um que esteja em qualquer posto da sociedade, presidência do partido, deputados, vereadores, possa assumir a responsabilidade por opiniões que emita em relação a terceiros que não correspondam à verdade e que terceiros tenham o direito de retrucar. Isso é democracia plena.
E sobre a reforma política?
Queremos propor um processo de mudança, de construção de uma nova institucionalidade brasileira a partir da realidade, dos partidos existentes, da legislação partidária, do sistema político eleitoral. Depois de três ou quatro tentativas anteriores, ainda bem que temos mais eco nessa luta pela reforma política. Defendemos o financiamento público de campanha, defendemos o voto partidário mais do que o voto personificado, defendemos mais participação das mulheres e defendemos instrumentos e institutos de consulta popular. Que as emendas populares, as emendas constitucionais, os plebiscitos, referendos sejam mais intensificados nesse país.
E a questão do voto proporcional ou distrital?
Acredito no voto proporcional. As pessoas que falam em democracia de ideias não querem permitir que haja a proliferação de segmentos sociais que tenham suas ideias próprias. Só o voto proporcional possibilita que os negros, as mulheres, os homossexuais, os índios, estudantes, universitários, professores, funcionários públicos, motoristas, garis, catadores de lixo possam pleitear, com suas expressões políticas, seu espaço na sociedade. Quem garante isso é o voto proporcional, não é o voto majoritário. Um das conquistas da democracia e da pluralidade brasileira é justamente o voto proporcional. Estamos fazendo a mudança com o carro em andamento, nós dirigimos o Brasil e a Bahia. Então, temos a clareza de que estamos num processo, uma transição para uma fase superior de organização democrática moderna da sociedade brasileira que ainda não conseguimos caminhar tão profundamente, sobretudo pela forte presença do poder econômico na atividade política.
Com relação à política de alianças e as eleições de 2012, qual é a proposta do PT para levar os seus aliados às bases partidárias?
Pensamos numa política de alianças que garanta a governabilidade desse processo. Não apenas a governabilidade do gestor que esteja no governo federal ou no governo estadual. A governabilidade do projeto político de mudança de curso, que está fazendo uma transição extraordinária. Quem diz é o mundo, o respeito que se tem pelo Brasil de hoje. É a América do Sul, renovada, que reconhece a importância do Brasil. Essa política de aliança é para a manutenção desse projeto. Trabalhamos na dimensão nacional pela garantia da unidade dessas forças por uma relação privilegiada com dois eixos: um mais ao centro, que é do PMDB no plano nacional; e o eixo tradicional e histórico da nossa relação, que são os partidos de esquerda, que fazem a aliança política na área social, que são os movimentos sindicais, populares e comunitários. Eles garantem essa presença institucional do PT nos espaços de governo. Nós estamos fazendo a base da presidenta Dilma e, no caso da Bahia, nós fazemos um corte específico. Gostaríamos de contar com o PMDB, mas o PMDB na Bahia escolheu, inexplicavelmente, desde 2010, a aliança preferencial com os nossos adversários nacionais... os “demos” e os tucanos. Então, cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. [O PMDB] buscou seu caminho. Até agora tem sido infeliz e espero que continue sendo.
Na Bahia, tem a chamada discussão em torno dos principais colégios eleitorais: Salvador, Região Metropolitana, Feira, Conquista, Itabuna. Há uma estratégia específica para esses lugares, já que tem partidos da base aliada lançando candidaturas próprias?
É cedo para falar em candidatura. Muito cedo. Estamos trabalhando com postulação. Não vamos fazer confusão. Estamos a mais de um ano para a eleição. As eleições hoje são muito profissionalizadas, as eleições efetivamente se estabelecem a partir das convenções. Nessas principais cidades, esse embate está na TV e no rádio. Os programas eleitorais vão começar em agosto, quando o processo esquenta. Até lá muita água correrá embaixo da ponte até que essas definições se estabeleçam. O nosso caminho, o governador Jaques Wagner (PT) tem dito, o presidente do PT reitera diversas vezes, o conselho político do governo Wagner definiu, as reuniões do fórum de presidentes estaduais do partido reiteram que o caminho é a unidade, é garantir a unidade do projeto. O caminho é reproduzir nas eleições municipais a vitória retumbante e inquestionável das eleições de 2010. O caminho é que 2012 seja uma preparação para 2014, para que esse bloco marche unido em 2014 e possa fazer a reeleição da presidenta Dilma e a eleição do nosso candidato ou nossa candidata ao governo do Estado. Obviamente, que, aqui ou acolá, nós teremos algum enfrentamento, mas queremos minimizar o impacto disso. Ter uma gestão e monitoramento desse processo e fazermos um acompanhamento buscando dissipar as dúvidas e eliminar as contradições que podem ser feitas para que possamos garantir a unidade e a vitória no estado. Quem tem interesse na divisão dessa base são os adversários, os “demos”, os tucanos e a tática que o PMDB aplica na Bahia, que também é de jogar água no moinho da oposição.
Qual é o instrumento para tentar encontrar um meio termo entre os interesses do governador e do partido?
Não é nenhum desafio novo. Nós demos uma lição. As pessoas não viram que nós montamos a chapa proporcional? A base é essa que ganhou a eleição. Não fizemos todos os partidos crescerem nessa montagem? Ampliaram a bancada, inclusive o nosso partido, que todos diziam que iria diminuir. Eu me orgulho de ser um dos arquitetos dessa engenharia da construção da chapa majoritária. O governador era tranquilo, mas as demais posições foram uma construção, um processo. As suplências, as alianças proporcionais, o chapão federal. Foram quatro chapas estaduais. Não fizemos isso? Eu me desafio... é o mesmo afinco, a mesma sensibilidade, a mesma metodologia, o mesmo instrumento da engenharia política que cada município vai fazer, talvez, até mais fácil. Porque nos municípios serão eleições majoritárias, e aí nós tínhamos que estar trabalhando com o recorte proporcional espalhados nos 417 municípios. Agora, vamos fazer a mesma engenharia: sentar, conversar, avaliar, abrir mão, avançar, costurar e fazer a disputa. Eu não estou vendo grandes problemas. Lógico que os problemas existem. Na relação de homens e ideias sempre tem problemas, mas não vejo nada instransponível. Vou dizer, de forma bem direta: acho muito mais fácil do que construir as chapas proporcionais da eleição de 2010 e a chapa majoritária com duas candidaturas ao Senado, duas suplências e uma vice na eleição de 2010.
Qual o projeto do PT para 2012? Há um plano estabelecido, por exemplo, para conquistar as prefeituras? Muito se fala que em 2008 o principal aliado do PT, o PMDB, ganhou mais...
Na verdade se criou um mito na eleição de 2008. O PMDB entrou na eleição de 2008 com mais prefeitos do que saiu. O problema é que o PMDB ratificou o prefeito da capital, e aí deu a impressão de que o PMDB ganhou a eleição. Se não me engano, entrou com 120 prefeitos e saiu com 114. Nós é que entramos com 27 e saímos com 67. Nós elegemos 19 e tivemos oito adesões. O PMDB elegeu 23, 24, cresceu quando entrou no governo. Incorporou prefeitos do PFL [atual DEM]. Então, não é verdade essa tese, mas as pessoas não gostam de ouvir. O PMDB ganhou essa adesão, esses prefeitos que se elegeram por outros partidos em 2004 concorreram na legenda do PMDB em 2008. Nós estamos tranquilos. Eu brinco sempre com os meus companheiros de partido que nós queremos ser multados pela Polícia Rodoviária federal, ou seja: queremos passar de 100.
Vemos aí pelo menos três pré-candidaturas da base do governo em Salvador. Como é que vocês vão administrar esse problema?
Acho que a tática e a construção de uma estratégia eleitoral se dá muito em função do cenário que se desenha, o cenário das forças contrárias, da oposição. Como a oposição irá disputar Salvador? A unidade das forças da base do governador Jaques Wagner nos leva à eleição no primeiro turno, sem dúvida. E toda a eleição que você pode liquidar no primeiro turno é melhor fazê-lo. Aquele famoso ditado popular: não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje. O que nós estamos vendo é que há um horizonte claro de possibilidade, de potencialidade e de composição. É uma construção coletiva de um ataque, de uma estratégia, que chama 2014 e afirma 2012. Que chama um projeto novo para Salvador. A necessidade de uma dinâmica, de sintonia fina entre os governos federal, estadual e municipal, inclusive em função dos desafios pelos quais Salvador passará até a Copa.
Por falar nisso, como é essa relação entre o PT e a gestão João Henrique, cujo o PP é oposição, mas há também uma parceria...
Nós tivemos uma relação equilibrada, madura com o governo municipal de Salvador quando ele foi para o PP, porque nossa prioridade é garantir os investimentos em Salvador para que a cidade seja uma referência no processo do Mundial de 2014 e dispute espaços na Olimpíada do Rio em 2016, dando retaguarda ao evento. Por outro lado, Salvador é importante porque nós temos que começar discutir a governança metropolitana. Não tem mais espaço para se discutir Salvador como algo isolado. Nós dirigimos cidades importantes na Região Metropolitana, como Camaçari e Lauro de Freitas. Vamos disputar muito bem a cidade de Dias D’ Ávila. Estamos construindo uma possibilidade boa em Candeias. Temos o governo na cidade que tem a maior renda per capita da Região Metropolitana, que é São Francisco do Conde. Temos um desafio de discutir essa “metropolitanização”. Salvador é o eixo, uma pedra de toque fundamental dela, até porque a cidade é a terceira capital do país. No projeto nacional do PT, para que fique claro para todos, sabemos da dificuldade na disputa de São Paulo. Aliás, já estamos compondo com o PMDB no Rio de Janeiro, com o prefeito Eduardo Paes candidato à reeleição e nós colocando na vice. Evidentemente, do jeito que a Bahia é um estado governado pelo PT, nós do PT, nacionalmente e estadualmente, achamos que Salvador seria também a maior capital do Brasil governada pelo PT. Esse é o nosso sonho. Mas esse sonho nós temos que discutir com os nossos aliados e com eles construir aquela história do sonho que se sonha junto se tornar realidade. Fizemos só com a esquerda até agora. Com a esquerda batemos na trave todas as vezes. Agora nós queremos que não bata na trave, mas que estufe a rede. E, para fazer isso, só com grande unidade da base. E nós queremos essa unidade com a frente do mesmo jeito como fizemos no plano nacional e no plano estadual. Uma frente de centro-esquerda para ganhar as eleições e governar Salvador.
Então, a ida do prefeito João Henrique para o PP foi boa para o PT?
Cada um escolhe uma forma de ajudar a cidade. Nós escolhemos colocando os governos do Estado e o federal a serviço de Salvador, para torná-la referência na Copa de 2014. O PP escolheu à sua maneira, participando do governo municipal. Não foi a maneira que nós escolhemos de contribuir para Salvador nesse momento. Apesar de sermos aliados, colocamos formas diferentes de ajudar a cidade.
Já que o senhor falou em região metropolitana, o governador vai liberar seu secretário da Fazenda, posto chave na gestão estadual, para concorrer em Candeias?
Em Candeias nós trabalhamos a ideia da unidade da base. Temos lá companheiros e companheiras valorosos em todos os partidos, muito deles passaram pelo PT. Além de termos a vereadora Marivalda e o vice-prefeito no PT, nós temos Jair no PDT, que foi vereador no PT; nós temos Isidoro, que foi deputado pelo nosso partido e está no PSB. O PP se fortalece lá em Candeias, e é importante que isso ocorra. Os partidos da nossa base histórica, aqueles que marcharam conosco em 2010, estão postulando com um certo grau de equilíbrio. O nome do secretário Carlos Martins (Faeznda) aparece com uma possibilidade de unidade. À medida que essa unidade possa se construir em nome de uma figura que demonstra ser uma revelação na política e na gestão baiana, sendo consagrado como o presidente do Conselho de Secretários da Fazenda (Confaz), Carlos Martins, que tem uma trajetória como Wagner, como Lula, que vêm do movimento sindical e ascende na política, com boa formação (ele é professor universitário). Se for a vontade do conjunto dos partidos que esse nome venha a ser o dele, eu acho que será uma candidatura muito difícil de ser derrotada.
Então é para valer?
Se for a vontade dele, sim. Ele disponibilizou o nome generosamente para construir a unidade e o PT agradece o seu nome para o debate. Mas não basta ele disponibilizar e o PT querer. É preciso que as forças aliadas queiram compor, juntas, numa chapa com o nome que melhor consiga aglutinar. Se for o nome de Carlos Martins, para o PT será um orgulho, e para ele certamente muito mais de ser prefeito da cidade em que ele é eleitor e nativo.
O movimento social tem dito que o governo do PT suspendeu as discussões sobre os pleitos do funcionalismo e que isso ficou evidenciado na votação sobre as mudanças no Planserv. Os sindicatos reclamam que o governo suspendeu a Mesa Central de Negociação.
O movimento social tem dito que o governo do PT suspendeu as discussões sobre os pleitos do funcionalismo e que isso ficou evidenciado na votação sobre as mudanças no Planserv. Os sindicatos reclamam que o governo suspendeu a Mesa Central de Negociação.
Há vontade política para a retomada dessa articulação com o movimento social?
Nós somos a favor. Nunca seremos contrários aos movimentos sociais, que são a razão de existir do nosso partido. Agora, o governo que o nosso partido inspira e alimenta com suas propostas é um governo de coalizão. Tem suas posições, que não são necessariamente do partido. Em relação à questão do Planserv, o que nós debatemos, assim como o fizemos com a previdência brasileira, que esses sistemas servem principalmente àqueles mais pobres. E, para que possa servi-los com eficiência e excelência, têm que ter estabilidade financeira. No debate da previdência, que foi muito grande, falávamos que, dos 22 milhões de beneficiários da previdência, quase 18 milhões recebiam salário mínimo, e que apenas menos de 500 mil recebiam, na época da reforma, acima do salário mínimo... Zelar pela estabilidade da previdência é zelar pelo direito dos mais pobres, porque acima de tudo é um programa social. Temos que ter clareza. Nunca iremos defender a subtração de direitos, mas temos que ter clareza que esses problemas, patrocinados pelo governo, são problemas sociais. E o que me deixou espantado é que aqueles que quebraram e arrebentaram o Iapseb [antigo plano previdência] estavam aí, falando em defesa dos direitos dos servidores. O sindicato tem que pressionar mesmo, porque o governo avança na pressão e no diálogo com eles. Mas o governo tem suas razões. Não acredito que aquela situação fosse algo voltado para tirar direitos dos servidores de menor salário. Evidentemente, na medida em que ele não funcione ou tivesse qualquer injunção para a subtração de direitos, é correto que os movimentos sociais se rebelem. Agora que tenham clareza dos benefícios trazidos àqueles que não têm oportunidade, com o seu salário, de contratar um plano de saúde particular.
O governador do Rio Grande do Sul afirmou recentemente que o PT vem se transformando num partido “tradicional”. Existe algum processo de distanciamento do PT institucional dessa sua base histórica? O que o senhor acha dessa tese?
O congresso cuidou bem disso. Logicamente, o partido que tem responsabilidade de governar um país como o Brasil tem boa parte do seu tempo ocupada com as questões da governança. E ainda mais um governo de coalizão com a cultura e a tradição da política brasileira, de semi-sistema público de financiamento de campanha. Isso dificulta um partido de trabalhadores de participar do sistema eleitoral conforme ele se dá. E aí isso tem implicações de governo. Por outro lado, também é necessário - e o partido está começando a ter atenção maior com isso – trabalhar a agenda. Porque, caso contrário, ficaremos trabalhando uma agenda passada e não faremos a proteção do mundo do trabalho na dimensão que ele se coloca hoje. Na dimensão do tempo da informática, da robótica, das comunicações. Do tempo em que o trabalho em casa ganha uma importância fundamental [...] É nesse tempo que nós precisamos discutir o mundo do trabalho. Eu digo: sem uma visão de subtração de direitos, mas de alteração das relações de trabalho na sociedade moderna. É esse desafio que temos que discutir melhor entre nós. Principalmente no momento em que fizemos investimentos que venham mudar radicalmente o mundo do trabalho brasileiro a partir da qualificação dos institutos federais de educação tecnológica, com a ampliação das universidades, com a interiorização das universidades, na Bahia, por exemplo.
A Bahia tem ganhado com o governo do PT?
Essa é uma coisa que é histórica. Quando o Brasil foi governado por doutores, por professores, graduados e honoris causa de tudo quanto é lugar, cheio de anéis, aqui, na Bahia, só tinha uma universidade federal. Agora, um operário que nunca se sentou na cadeira de uma universidade, que talvez nunca tenha entrado na porta de uma universidade até ser presidente, em oito anos fez a Bahia receber a sua sexta universidade federal. Tínhamos só a Universidade Federal da Bahia (Ufba) sediada em Salvador. Nós implantamos a Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), que hoje está em Juazeiro e Senhor do Bonfim e está indo para Paulo Afonso. Implantamos a Universidade Federal do Recôncavo (UFRB) de Cruz das Almas, Cachoeira, Santo Antonio de Jesus, Amargosa e agora vai para Feira de Santana. Estamos implantando a Universidade Federal do Oeste Baiano em Barreiras, que já tinha o campus avançado, uma conquista no governo do presidente Lula, e agora vai para Bom Jesus da Lapa, Luis Eduardo e Barra. A Universidade Federal do Sul baiano, que, com sede em Teixeira de Freitas, beneficiará Porto Seguro e Itabuna; e a Universidade Federal da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) em São Francisco do Conde, para a formação de jovens africanos, brasileiros e latinos. Foi preciso Lula assumir a Presidência para nós termos isso. Pode não parecer, mas isso é uma coisa extraordinária em relação à qualificação de mão de obra e à mudança das relações no mundo do trabalho, em que o conhecimento, hoje a grande matéria-prima desenvolvimento econômico, passa a ser um elemento central também na Bahia para ampliação da mão de obra que será disponibilizada, da qualificação e do conhecimento tecnológico. Hoje são 15, mas, até o final do governo Dilma, 20 cidades baianas serão sedes de campi universitários no nosso estado.
Comenta-se que o PT não tem mais a mesma gerência no governo Dilma como havia na gestão do Lula. Isso é verdade?
A própria Dilma disse no congresso do PT: “Ninguém tem a militância que o PT tem”. No congresso do PT, quando a Polícia Federal, às pressas, fechou as portas do recinto, porque estava cheio, a militância, de fora, começou a bater na porta e a dizer “abre, abre, abre”, a presidenta Dilma e o presidente nacional [Rui Falcão] não falaram enquanto não se abriu as portas para a militância toda entrar. Ela conhece a nossa militância, o Lula conhece a nossa militância. E mais que isso: nossa militância os conhece. Às vezes jogamos até o mesmo jogo por telepatia. No caso do PT eu sempre aplico um verso “quem caminha e sabe aonde quer chegar conhece o caminho e o jeito de caminhar”. E isso aí Dilma, Lula e nós do PT sabemos muito bem o que estamos fazendo. Apesar de ter passado por algumas mudanças específicas e pontuais, a reforma tributária é uma questão que não andou nos governos de Lula e de FHC.
E agora, sairá?
Você tem diferentes dimensões das questões tributárias e fiscal brasileiras. Não dá para você trabalhar unicamente com uma partilha de receita dos entes federados. Isso é uma coisa importante, entendendo que hoje você tem um significativo trânsito dos recursos federais diretamente para os municípios. As grandes políticas nacionais de saúde, educação e de ação social estão sendo implementadas de forma direta. Há gestão centralizada, porque até os mecanismos modernos da informática permitem você a ter essa relação no mundo da comunicação virtual, mas há uma grande responsabilidade, uma co-responsabilidade entre receita e aplicação dos recursos. Somado a isso vêm a política de financiamento, que também começa a ganhar essa dimensão, as políticas de transferência de renda e de inserção econômica. Você não pode ter uma visão de desenvolvimento local ou com a autonomia apenas de o prefeito pegar e usar o recurso onde ele quiser. Tem que haver uma política nacional, porque a pobreza é nacional, o analfabetismo é nacional, as doenças são nacionais, o desenvolvimento tecnológico é nacional... Acho que isso é importante, mas também o que temos que discutir nesse pais, e ninguém quer quando se fala em reforma tributária, é a questão da progressividade fiscal.
A taxação das grandes fortunas...
A taxação das grandes fortunas...
Até os Estados Unidos discutem a taxação das grandes fortunas, mas no Brasil é pecado. Voltando à questão da reforma na comunicação, quando você mexe nos impérios... os impérios são intocáveis. Sejam o de comunicação, o econômico o de renda. São intocáveis. Ou seja, querem criar uma sociedade dividida naquela estruturação piramidal em tudo. A reforma tributária tem que ser fiscal e ser pensada na visão de progressividade, com taxação de fortuna.
No congresso do PT ficou estabelecido algum paradigma quanto a isso?
Nós defendemos que uma política tributária-fiscal logicamente deva ter um equilíbrio entre os entes, uma maior distribuição. Não temos dúvidas quanto a isso. Mas temos que ter algum grau de justiça tributária. Não dá para você operar a política tributária-fiscal sem uma visão de justiça.
O que é uma visão de justiça?
O que incorpora o mundo do trabalho, o valor da força de trabalho e o valor da reposição do capital. E a mais ainda: o papel do capital especulativo. Fez-se um escândalo com a questão da CPMF. Uma taxação progressiva e que, na minha visão, deveria ser aperfeiçoada, seja qual for o governo, e com destinação às finalidades sociais a exemplo da saúde ou à formação tecnológica. Qual o problema? Não é isso que nós estamos trabalhando em relação ao pré-sal? Por que não podemos trabalhar em relação à política fiscal. Quem faz as grandes transações financeiras? É o pobre, que recebe salário mínimo?
O governo Dilma deixou a cargo do Congresso Nacional a questão da Emenda 29 e, consequentemente, da CSS (Contribuição Social da Saúde). O PT já tem alguma posição no que diz respeito à aprovação da CSS?
Estamos dizendo sempre: os serviços públicos essenciais, que devem ser garantidos à cidadania, como é o caso da saúde, precisam de financiamento. Aí nós precisamos debater se quem financia é a sociedade. Se você tem lacuna nessa área na política tributária brasileira... Ah, a carga tributária é muito grande. É, dos impostos diretos, é verdade. Mas há de se discutir, e está em debate de forma clara, a discussão da desoneração da produção dos setores fundamentais e essenciais, principalmente do abastecimento do mercado interno e também do desenvolvimento tecnológico ao processo de produção de ponta. Mas a saúde está numa situação de emergência. Por que a CPMF podia no governo FHC e não podia no de Lula? Por que não aperfeiçoar um mecanismo como aquele, que não onera o trabalhador? Pelo contrário. Da mesma forma que ocorre com o Bolsa Família, que foi criticado, é um instrumento de transferência de renda. Alguém acha que o dinheiro do Bolsa Família cai do céu? Ou o Luz Para Todos? Nós pagamos nossa conta de luz. É um mecanismo de transferência de renda extraordinário. Eu sou a favor de que a saúde seja tratada de forma específica, porque a sociedade brasileira necessita de mecanismos modernos para fazer a sua relação com o estado e desenvolver a política fiscal e tributária com base em princípios e conceitos da Justiça tributária.
Cinco ministros já caíram este ano, quatro envolvidos em denúncias de corrupção. O que se diz que a presidenta Dilma só age depois que a denúncia é veiculada na imprensa. Como é que o PT está tratando essa questão?
A imprensa acha que pauta o país. Cada um puxa a brasa para a sua sardinha. O governo é que deu à Polícia Federal os mecanismos de funcionamento, de tecnificação, de trabalho de inteligência, de autonomia operacional. Foi o governo que construiu o ministério do controle da transparência, que era um emprego dos amigos do poder, mas que virou um equipamento eficiente de fiscalização e monitoramento de uso do recurso público. Esse governo tem compromisso com a ética. Agora, primeiro, temos que ter clareza, tem que haver a presunção da inocência, do direito de defesa. Ponto dois: é preciso a identificação para que você possa fazer efetivamente a correção da irregularidade e a substituição. O problema é que muitos que hoje falam, divulgam, ressoam, foram aqueles que calaram, silenciaram e assistiram episódios de corrupção irem para debaixo do tapete, sem dar um pio, porque o dono [do jornal] não permitia, ou a linha editorial não permitia sair. Nós temos compromisso com a transparência... Por isso, instituímos a Transparência Brasil. Não vamos de forma nenhuma concordar com as ações de corrupção, mas também garantiremos, democraticamente, numa visão de direito humano, o direito à presunção da inocência até que seja feito o julgamento. Não podemos fazer o linchamento público para apurar depois. Temos que apurar e, depois, punir. Tomara que todos aqueles que falam, deem vazão para divulgarem dessas questões da mesma forma que divulgam a vacina contra a poliomielite, que o Brasil erradicou. Tem uma vacina que não querem dar a dimensão e a publicidade para que ela possa ser aplicada na política, que é a maior vacina contra a corrupção eleitoral, que é a maior vacina contra a apropriação patrimonialista das políticas públicas pelo poder privado, para extirpar o dinheiro privado das campanhas eleitorais. Isto é: o financiamento público de campanha.
O senhor acha que essa é a solução?
Se tem financiamento público de campanha, você afasta a estruturação dos lobbies econômicos e políticos, que aprisionam as políticas públicas e o exercício de mandato. E isso o PT vem tentando... tentamos em 1988, na [Assembleia] Constituinte, tentamos em 2002, em 2004, em 2009 e agora, de novo, em 2011. O relatório está lá, é só aprová-lo. O deputado Henrique Fontana (PT-RS) fez o relatório. Num “instantinho” nós vamos parar de ler nos jornais e ver notícias... Na verdade, alguns só noticiam o governo federal e se esquecem dos governos estaduais e municipais. Começaremos a ver essas notícias saírem da cena política com a aplicação dessa vacina eficaz chamada financiamento público de campanha.
Além desse aspecto jurídico, moral, tem o aspecto político... O PT diz que existe uma movimentação no sentido de produzir a imagem de que o governo Dilma é infestado por corrupção e que isso seria uma “herança maldita” do governo Lula. O que o senhor acha disso?
O que a Dilma está fazendo não é nada mais do que dar continuidade ao que fez o presidente Lula. O presidente Lula foi além. Atitude corajosa e ousada: pegou, para a alegria de nós, baianos, pegou um ícone da democracia, da transparência, da propriedade, que é Waldir Pires, que fez uma grande obra, que é a CGU [Controladoria-Geral da União]. Mandou estruturar essa rede de acompanhamento e fiscalização do serviço público, que foi uma grande obra de Waldir e que outro baiano, o ministro Jorge Hage está dando continuidade. A PF se equipou? Foi no governo do presidente Lula. O Ministério da Justiça ganhou mecanismos? Foi no governo do presidente Lula. Nós ganhamos prêmio internacional de combate à corrupção no governo do presidente Lula. A questão que tem que ser colocada é o esgotamento. À medida que você coloca um projeto renovador, como o nosso; à medida que você aperfeiçoa o mecanismo de relação com a sociedade; à medida que você aperfeiçoa mecanismos de divulgação e informação pública sobre dados de governo, cada vez mais se revela o esgotamento do atual sistema político. Aqueles que tanto falam poderiam muito bem nos ajudar na pressão ao Congresso Nacional para aprovarmos a reforma política. Aí, sim, eliminaremos 70% desses problemas.
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